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Tratados internacionais contra bitributação. Prestação de serviços sem transferência de tecnologia.

INTERNACIONAL PRIVADO E TRIBUTÁRIO. PRELIMINARES REJEITADAS. TRATADOS INTERNACIONAIS CONTRA A BITRIBUTAÇÃO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS SEM TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA. INEXISTÊNCIA DE ROYALTIES NA ESPÉCIE. RENDIMENTOS AUFERIDOS POR EMPRESAS ESTRANGEIRAS PELA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À EMPRESA BRASILEIRA. PRETENSÃO DA FAZENDA NACIONAL DE TRIBUTAR, NA FONTE, A REMESSA DE RENDIMENTOS. CONCEITO DE “LUCRO DA EMPRESA ESTRANGEIRA” NO ART. 7º DA CONVENÇÃO. EQUIVALÊNCIA A “LUCRO OPERACIONAL”. PREVALÊNCIA DO TRATADO SOBRE O ART. 7º DA LEI 9.779/99. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. ART. 98 DO CTN. CORRETA INTERPRETAÇÃO. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL IMPROVIDAS. 1 – As preliminares arguidas não merecem prosperar. Com efeito, o pedido formulado pela impetrante em sua inicial é específico no sentido de afastar a retenção do Imposto de Renda sobre as remessas destinadas ao exterior a título de pagamento pelos serviços prestados por empresas estrangeiras localizadas em diversos países, tendo por fundamento as normas contidas em tratados internacionais. Nessa mesma linha, não há falar em inadequação da via eleita ou impugnação de lei em tese, visto que o ato coator, neste caso, resta caracterizado pela retenção do IRRF nos contratos de câmbio firmados pela impetrante e comprovada nos autos por meio de prova pré-constituída, a qual inclui a descrição dos serviços prestados, acompanhados de tradução juramentada. 2 – A alegação de que os valores remetidos ao exterior pela impetrante se enquadrariam no conceito de royalties, e, portanto, poderiam ser tributados no Brasil, conforme previsto no art. 12 da Convenção Modelo da OCDE, não merece acolhida. Com efeito, os serviços técnicos e de assistência técnica prestados pela impetrante não implicam em transferência de tecnologia, razão pela qual os respectivos contratos não necessitam de averbação junto ao INPI, nos termos do art. 211 da Lei 9.279/96, e tampouco se encontram registrados no Banco Central do Brasil, conforme Portaria MF nº 287/72. 3 – Resta consolidado o entendimento no sentido de que tratados internacionais sobre normas infraconstitucionais, regularmente incorporados ao direito nacional, não têm superioridade hierárquica sobre o direito interno. Assim a definição da norma a prevalecer, em caso de antinomia, se sujeita à verificação da efetiva revogação, ou não, da anterior pela posterior. De acordo com o artigo 7º da Lei nº 9.779/99, estão sujeitas à retenção do IRRF, à alíquota de 25%, os rendimentos da prestação de serviços pagos a beneficiários residentes ou domiciliados no exterior, cabendo à fonte pagadora brasileira a responsabilidade pelo recolhimento do imposto. No entanto, a impetrante refere-se à interpretação que deve ser dada ao conceito de lucros empresarias nas normativas nacionais e ao constante nos tratados internacionais com o fim de evitar a dupla tributação da renda. 4 – Não houve revogação dos tratados internacionais pelo artigo 7º da Lei nº 9.779/1999, pois o tratamento tributário genérico, dado pela lei nacional às remessas à prestadores de serviços domiciliados no exterior, qualquer que seja o país em questão, não exclui o específico, contemplado em lei convencional, por acordos bilaterais. Embora a lei posterior possa revogar a anterior (lex posterior derogat priori), o princípio da especialidade (lex specialis derogat generalis) faz prevalecer a lei especial sobre a geral, ainda que esta seja posterior, como ocorreu com a Lei nº 9.779/1999. 5 – Acordos internacionais valem entre os respectivos subscritores e possuem caráter de lei específica, que não é revogada por lei geral posterior. Esta interpretação privilegia o entendimento de que, embora não haja hierarquia entre tratado e lei interna, não se pode revogar lei específica anterior com lei geral posterior. Ademais, estando circunscritos os efeitos de tratados às respectivas partes contratantes, possível e viável o convívio normativo da lei convencional com a lei geral, esta para todos os que não estejam atingidos pelos tratados, firmados com o objetivo de evitar a dupla tributação. 6 – A remessa de valores para o exterior para pagamento de serviços prestados por empresa estrangeira constitui despesa para a empresa remetente e não rendimento. Já o rendimento obtido pela empresa estrangeira com a prestação de serviços à contratante brasileira, examinado à luz da legislação pátria, compõe o lucro daquela, respeitada a sistemática específica de apuração prevista em lei. A Convenção Internacional refere-se a lucro, que abrange toda receita ou rendimento que o integra, e não ao lucro real ou similar calculado. Assim, a receita operacional, de que é parte o valor recebido em pagamento pela prestação de serviços, integra o lucro. Portanto, resta evidente que a receita obtida pelo serviço prestado integra o lucro, devendo ser assim considerada nos termos do art. 7º das Convenções Internacionais. 7 – Os tratados referem-se a “lucros”, expressão esta que remete, tecnicamente, ao conceito que, na legislação interna, equivale a rendimento ou receita. Tanto assim que as normas convencionais estipulam que “No cálculo dos lucros de um estabelecimento permanente, é permitido deduzir as despesas que tiverem sido feitas para a consecução dos objetivos do estabelecimento permanente, incluindo as despesas de direção e os encargos gerais de administração assim realizados”. 8 – Para evitar a dupla incidência, o que o tratado excluiu da tributação, no Estado pagador que contratou a prestação de serviços no exterior, não é tão-somente o lucro, até porque o respectivo valor não poderia ser avaliado por quem apenas faz a remessa do pagamento global, mas sim o rendimento auferido com a prestação do serviço para que, no Estado onde se deu sua prestação, seja promovida a tributação, garantida ali, conforme a lei respectiva, a dedução de despesas e encargos, revelando, portanto, que não existe espaço válido para a prevalência da aplicação da lei interna, que prevê tributação, pela fonte pagadora no Brasil, de pagamentos, com remessa de valores a prestadoras de serviços exclusivamente domiciliadas no exterior. 9 – As normas prescritas em acordos internacionais para evitar a dupla tributação prevalecem, no que concerne aos Estados contratantes, uma vez que é regra específica (critério da especialidade), diferente da lei ordinária que regula a matéria de maneira genérica (art. 98, do CTN). Demonstrada a existência de contrato firmado com pessoa jurídica situada no exterior relativo à prestação de serviço, não se pode compelir o contribuinte à dupla tributação, devendo haver incidência do imposto sobre a renda somente no país de destino. Assim, é possível concluir que os valores remetidos pela impetrante às empresas estabelecidas no exterior, em razão de prestação de serviços sem transferência de tecnologia, não sofrem a incidência do IRRF. 10 – Apelação e remessa oficial improvidas. TRF 3, APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0004166-76.2012.4.03.6130/SP, julg. 16 de agosto de 2017. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar as preliminares, e, no mérito, negar provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos do relatório e voto que fazem parte integrante do presente julgado. São Paulo, 16 de agosto de 2017. ANTONIO CEDENHO Desembargador Federal RELATÓRIO Trata-se de apelação e remessa oficial em mandado de segurança impetrado contra ato praticado pelo Delegado da Receita Federal do Brasil em Barueri, tendo em vista a exigência do Imposto de Renda Retido na Fonte – IRRF sobre valores remetidos a empresas sediadas no exterior, a título de pagamento pelos serviços diversos que não envolvem transferência de tecnologia, com base nos artigos 708 e 710 do Regulamento do Imposto de Renda instituído pelo Decreto 3.000/99. Busca a impetrante a concessão de segurança com o fim de afastar o recolhimento da referida exação, sob o argumento de que as remessas de valores destinam-se a países com os quais o Brasil celebrou tratados internacionais, cabendo àqueles países exercerem a tributação dos serviços prestados, considerando-se a prevalência dos tratados internacionais sobre as leis ordinárias internas. Indeferida a liminar, sobreveio sentença concessiva da segurança, para determinar o afastamento da incidência do IRRF sobre os valores remetidos pela impetrante às empresas sediadas no exterior, à execeção daquelas situadas na Alemanha, em razão de não mais existir acordo internacional firmado com aquele país visando ao afastamento de bitributação. Submetida a decisão ao reexame necessário, nos termos do art. 14, § 1º, da Lei 12.016/09. Em suas razões recursais, a União Federal, sustenta, em preliminar, ausência de interesse processual ante a formulação de pedido genérico; a inadequação da via eleita, tendo em vista a ausência de prova pré-constituída; a inadmissibilidade de impetração contra lei em tese, em razão da inexistência de ato coator concreto na espécie. No mérito, alega que as remessas destinadas ao exterior pela impetrante equiparam-se a royalties, sendo assim passíveis de tributação, nos termos dos protocolos anexos aos tratados internacionais celebrados com os países estrangeiros em questão, à exceção de Austria, Finlândia, França, Japão e Suécia. Requer, por fim, a reversão do julgado. Oferecidas as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte Regional. O Ministério Público Federal opinou pela manutenção da r. sentença. É o Relatório. ANTONIO CEDENHO Desembargador Federal Relator VOTO Inicialmente, tenho que as preliminares arguidas não merecem prosperar. Com efeito, o pedido formulado pela impetrante em sua inicial é específico no sentido de afastar a retenção do Imposto de Renda sobre as remessas destinadas ao exterior a título de pagamento pelos serviços prestados por empresas estrangeiras localizadas em diversos países, tendo por fundamento as normas contidas em tratados internacionais. Nessa mesma linha, não há falar em inadequação da via eleita ou impugnação de lei em tese, visto que o ato coator, neste caso, resta caracterizado pela retenção do IRRF nos contratos de câmbio firmados pela impetrante e comprovada nos autos por meio de prova pré-constituída, a qual inclui a descrição dos serviços prestados, acompanhados de tradução juramentada (fls. 38/106). Passo à análise do mérito da questão posta. Com o intuito de evitar a dupla tributação do imposto de renda, o Brasil celebrou diversas convenções internacionais com outros países, dentre eles Argentina, África do Sul, Áustria, Bélgica, Canadá, Chile, China, Coréia, Dinamarca, Equador, Espanha, Filipinas, Finlândia, França, Hungria, Holanda, Índia, Israel, Itália, Japão, Luxemburgo, México, Noruega, Peru, Portugal, República Eslovaca, República Tcheca, Suécia e Ucrânica, convenções estas incorporadas ao ordenamento jurídico por meio de decretos. Resta consolidado o entendimento no sentido de que tratados internacionais sobre normas infraconstitucionais, regularmente incorporados ao direito nacional, não têm superioridade hierárquica sobre o direito interno. Assim, a definição da norma a prevalecer, em caso de antinomia, sujeita-se à verificação da efetiva revogação, ou não, da anterior pela posterior. A propósito: “EXTRADIÇÃO – CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA E DE CONCUSSÃO – DISCUSSÃO SOBRE MATÉRIA PROBATÓRIA – INADMISSIBILIDADE – DERROGAÇÃO, NESTE PONTO, DO CÓDIGO BUSTAMANTE (ART.365, 1, IN FINE), PELO ESTATUTO DO ESTRANGEIRO – PARIDADE NORMATIVA ENTRE LEIS ORDINÁRIAS BRASILEIRAS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS – PROCESSO EXTRADICIONAL REGULARMENTE INSTRUÍDO – JURISDIÇÃO PENAL DO ESTADO REQUERENTE SOBRE OS ILÍCITOS ATRIBUÍDOS AOS EXTRADITANDOS – JULGAMENTO DA CAUSA PENAL, NO ESTADO REQUERENTE, POR TRIBUNAL REGULAR E INDEPENDENTE – RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO PENAL EXTRAORDINÁRIA CONCERNENTE AO DELITO DE CORRUPÇÃO PASSIVA – ACOLHIMENTO PARCIAL DA POSTULAÇÃO EXTRADICIONAL UNICAMENTE QUANTO AO CRIME DE CONCUSSÃO – PEDIDO DEFERIDO EM PARTE. CÓDIGO BUSTAMANTE – ESTATUTO DO ESTRANGEIRO. (…). Precedentes: RTJ 73/11 – RTJ 139/470 – RTJ 140/436 – RTJ 141/397 – RTJ 145/428. PARIDADE NORMATIVA ENTRE LEIS ORDINÁRIAS BRASILEIRAS E TRATADOS INTERNACIONAIS – Tratados e convenções internacionais – tendo-se presente o sistema jurídico existente no Brasil (RTJ 83/809) – guardam estrita relação de paridade normativa com as leis ordinárias editadas pelo Estado brasileiro. A normatividade emergente dos tratados internacionais, dentro do sistema jurídico brasileiro, permite situar esses atos de direito internacional público, no que concerne à hierarquia das fontes, no mesmo plano e no mesmo grau de eficácia em que se posicionam as leis internas do Brasil. A eventual precedência dos atos internacionais sobre as normas infraconstitucionais de direito interno brasileiro somente ocorrerá – presente o contexto de eventual situação de antinomia com o ordenamento doméstico -, não em virtude de uma inexistente primazia hierárquica, mas, sempre, em face da aplicação do critério cronológico (lex posterior derogat priori) ou, quando cabível, do critério da especialidade. (…).” (STF. Ext 662, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 28/11/1996, DJ 30-05-1997 PP-23176 EMENT VOL-01871-01 PP-00015) De acordo com o artigo 7º da Lei nº 9.779/99, estão sujeitas à retenção do IRRF, à alíquota de 25%, os rendimentos da prestação de serviços pagos a beneficiários residentes ou domiciliados no exterior, cabendo à fonte pagadora brasileira a responsabilidade pelo recolhimento do imposto. No entanto, a impetrante refere-se à interpretação que deve ser dada ao conceito de lucros empresarias nas normativas nacionais e o constante nos tratados internacionais visando a evitar a dupla tributação da renda. Sucede, contudo, que não houve revogação dos tratados internacionais pelo artigo 7º da Lei nº 9.779/1999, pois o tratamento tributário genérico, dado pela lei nacional, às remessas à prestadores de serviços domiciliados no exterior, qualquer que seja o país em questão, não exclui o específico, contemplado em lei convencional, por acordos bilaterais. Embora a lei posterior possa revogar a anterior (lex posterior derogat priori), o princípio da especialidade (lex specialis derogat generalis) faz prevalecer a lei especial sobre a geral, ainda que esta seja posterior, como ocorreu com a Lei nº 9.779/1999. Acordos internacionais valem entre os respectivos subscritores e possuem caráter de lei específica, que não é revogada por lei geral posterior. Esta interpretação privilegia o entendimento de que, embora não haja hierarquia entre tratado e lei interna, não se pode revogar lei específica anterior com lei geral posterior. Ademais, estando circunscritos os efeitos de tratados às respectivas partes contratantes, possível e viável o convívio normativo da lei convencional com a lei geral, esta para todos os que não estejam atingidos pelos tratados, firmados com o objetivo de evitar a dupla tributação. A remessa de valores para o exterior para pagamento de serviços prestados por empresa estrangeira constitui despesa para a empresa remetente e não rendimento. Já o rendimento obtido pela empresa estrangeira com a prestação de serviços à contratante brasileira, examinado à luz da legislação pátria, compõe o lucro daquela, respeitada a sistemática específica de apuração prevista em lei. A Convenção Internacional refere-se a lucro, que abrange toda receita ou rendimento que o integra, e não ao lucro real ou similar calculado. Assim, a receita operacional, de que é parte o valor recebido em pagamento pela prestação de serviços, integra o lucro, devendo ser assim considerada nos termos do art. 7º das Convenções Internacionais. Os tratados referem-se a “lucros”, ideia essa que remete, tecnicamente, ao conceito que, na legislação interna, equivale a rendimento ou receita. Tanto assim que as normas convencionais estipulam que “No cálculo dos lucros de um estabelecimento permanente, é permitido deduzir as despesas que tiverem sido feitas para a consecução dos objetivos do estabelecimento permanente, incluindo as despesas de direção e os encargos gerais de administração assim realizados”. Para evitar a dupla incidência, o que o tratado excluiu da tributação, no Estado pagador que contratou a prestação de serviços no exterior, não é tão-somente o lucro, até porque o respectivo valor não poderia ser avaliado por quem apenas faz a remessa do pagamento global, mas sim o rendimento auferido com a prestação do serviço para que, no Estado de prestação, ou seja, no exterior, seja promovida a sua tributação, garantida ali, conforme a lei respectiva, a dedução de despesas e encargos, revelando, portanto, que não existe espaço válido para a prevalência da aplicação da lei interna, que prevê tributação, pela fonte pagadora no Brasil, de pagamentos, com remessa de valores a prestadoras de serviços, exclusivamente domiciliadas no exterior. De outra via, a alegação de que os valores remetidos ao exterior pela impetrante se enquadrariam no conceito de royalties, e, portanto, poderiam ser tributados no Brasil, conforme previsto no art. 12 da Convenção Modelo da OCDE, não merece acolhida. Com efeito, os serviços prestados pela impetrante não implicam em transferência de tecnologia, razão pela qual os respectivos contratos não necessitam de averbação junto ao INPI, nos termos do art. 211 da Lei 9.279/96, e tampouco se encontram registrados no Banco Central do Brasil, conforme Portaria MF nº 287/72. A propósito, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: “TRIBUTÁRIO. CONVENÇÕES INTERNACIONAIS CONTRA A BITRIBUTAÇÃO. BRASIL – ALEMANHA E BRASIL – CANADÁ. ARTS. VII E XXI. RENDIMENTOS AUFERIDOS POR EMPRESAS ESTRANGEIRAS PELA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À EMPRESA BRASILEIRA. PRETENSÃO DA FAZENDA NACIONAL DE TRIBUTAR, NA FONTE, A REMESSA DE RENDIMENTOS. CONCEITO DE “LUCRO DA EMPRESA ESTRANGEIRA” NO ART. VII DAS DUAS CONVENÇÕES. EQUIVALÊNCIA A “LUCRO OPERACIONAL”. PREVALÊNCIA DAS CONVENÇÕES SOBRE O ART. 7º DA LEI 9.779/99. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. ART. 98 DO CTN. CORRETA INTERPRETAÇÃO. A autora, ora recorrida, contratou empresas estrangeiras para a prestação de serviços a serem realizados no exterior sem transferência de tecnologia. Em face do que dispõe o art. VII das Convenções Brasil -Alemanha e Brasil -Canadá, segundo o qual “os lucros de uma empresa de um Estado Contratante só são tributáveis nesse Estado, a não ser que a empresa exerça sua atividade em outro Estado Contratante por meio de um estabelecimento permanente aí situado”, deixou de recolher o imposto de renda na fonte. 2. Em razão do não recolhimento, foi autuada pela Receita Federal à consideração de que a renda enviada ao exterior como contraprestação por serviços prestados não se enquadra no conceito de “lucro da empresa estrangeira”, previsto no art. VII das duas Convenções, pois o lucro perfectibiliza-se, apenas, ao fim do exercício financeiro, após as adições e deduções determinadas pela legislação de regência. Assim, concluiu que a renda deveria ser tributada no Brasil – o que impunha à tomadora dos serviços a sua retenção na fonte -, já que se trataria de rendimento não expressamente mencionado nas duas Convenções, nos termos do art. XXI, verbis: “Os rendimentos de um residente de um Estado Contratante provenientes do outro Estado Contratante e não tratados nos artigos precedentes da presente Convenção são tributáveis nesse outro Estado”. 3. Segundo os arts. VII e XXI das Convenções contra a bitributação celebrados entre Brasil -Alemanha e Brasil -Canadá, os rendimentos não expressamente mencionados na Convenção serão tributáveis no Estado de onde se originam. Já os expressamente mencionados, dentre eles o “lucro da empresa estrangeira”, serão tributáveis no Estado de destino, onde domiciliado aquele que recebe a renda. 4. O termo “lucro da empresa estrangeira”, contido no art. VII das duas Convenções, não se limita ao “lucro real”, do contrário, não haveria materialidade possível sobre a qual incidir o dispositivo, porque todo e qualquer pagamento ou remuneração remetido ao estrangeiro está – e estará sempre – sujeito a adições e subtrações ao longo do exercício financeiro. 5. A tributação do rendimento somente no Estado de destino permite que lá sejam realizados os ajustes necessários à apuração do lucro efetivamente tributável. Caso se admita a retenção antecipada – e portanto, definitiva – do tributo na fonte pagadora, como pretende a Fazenda Nacional, serão inviáveis os referidos ajustes, afastando-se a possibilidade de compensação se apurado lucro real negativo no final do exercício financeiro. 6. Portanto, “lucro da empresa estrangeira” deve ser interpretado não como “lucro real”, mas como “lucro operacional”, previsto nos arts. 6º, 11 e 12 do Decreto-lei n.º 1.598/77 como “o resultado das atividades, principais ou acessórias, que constituam objeto da pessoa jurídica”, ai incluído, obviamente, o rendimento pago como contrapartida de serviços prestados. 7. A antinomia supostamente existente entre a norma da convenção e o direito tributário interno resolve-se pela regra da especialidade, ainda que a normatização interna seja posterior à internacional. 8. O art. 98 do CTN deve ser interpretado à luz do princípio lex specialis derrogat generalis, não havendo, propriamente, revogação ou derrogação da norma interna pelo regramento internacional, mas apenas suspensão de eficácia que atinge, tão só, as situações envolvendo os sujeitos e os elementos de estraneidade descritos na norma da convenção. 9. A norma interna perde a sua aplicabilidade naquele caso especifico, mas não perde a sua existência ou validade em relação ao sistema normativo interno. Ocorre uma “revogação funcional”, na expressão cunhada por HELENO TORRES, o que torna as normas internas relativamente inaplicáveis àquelas situações previstas no tratado internacional, envolvendo determinadas pessoas, situações e relações jurídicas específicas, mas não acarreta a revogação, stricto sensu, da norma para as demais situações jurídicas a envolver elementos não relacionadas aos Estados contratantes. 10. No caso, o art. VII das Convenções Brasill -Alemanha e Brasil -Canadá deve prevalecer sobre a regra inserta no art. 7º da Lei 9.779/99, já que a norma internacional é especial e se aplica, exclusivamente, para evitar a bitributação entre o Brasil e os dois outros países signatários. Às demais relações jurídicas não abarcadas pelas Convenções, aplica-se, integralmente e sem ressalvas, a norma interna, que determina a tributação pela fonte pagadora a ser realizada no Brasil. 11. Recurso especial não provido.” (STJ. REsp nº 1161467/RS, 2009/0198051-2 Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/05/2012, DJe 01/06/2012 RDDT VOL.:00207 PG:00181 RDTAPET VOL.:00034 PG:00179 RSTJ VOL.:00227 PG:00323 RT VOL.:00105 PG:00430) No mesmo sentido, o entendimento desta E. Corte: DIREITO TRIBUTÁRIO. TRATADO INTERNACIONAL BRASIL-FRANÇA PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE CONCESSÃO DE GARANTIA. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE GARANTIA. REMUNERAÇÃO. REMESSA AO EXTERIOR. ENQUADRAMENTO LEGAL. RETENÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA. CONCEITO DE LUCRO DE EMPRESA ESTRANGEIRA. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. PREVALÊNCIA DA NORMA INTERNACIONAL. RECURSO DE APELAÇÃO PROVIDO. 1 – Os tratados internacionais, em matéria tributária, desde que ratificados e incorporados ao sistema jurídico interno por Decretos Legislativos, assumem, hierarquicamente, a mesma posição da lei ordinária, devendo haver compatibilidade entre as suas regras e as constantes do ordenamento jurídico. Ressalvada a hipótese do §3º, do art. 5º, da CF/1988, a jurisprudência do STF é pacífica no sentido de que, após regular incorporação ao direito interno, o tratado internacional adquire a posição idêntica à de uma lei ordinária. 2 – Em regra, os acordos internacionais, para evitar a dupla tributação, atribuem o poder de tributar a renda ao Estado em cujo território os rendimentos foram produzidos (critério da fonte produtora) ou em cujo território foi obtida a disponibilidade econômica ou jurídica (critério da fonte pagadora), conforme a natureza do rendimento. 3 – Na espécie, foi proposta ação visando a declaração de não-incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte em operações de remessas internacionais a título de remunerações pagas pelo autor para instituições financeiras do grupo BNPP, assegurando-se exclusivamente à França a competência para a tributação de tais rendimentos, com o argumento de que se enquadram no art. 7º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em matéria de Impostos sobre o Rendimento celebrado entre Brasil e França, conforme Decreto nº 70.506/1972. 4 – Empresas estrangeiras sem estabelecimento permanente no país (dependência, sucursal ou filial) não estão sujeitas a pagar imposto de renda sobre o lucro. Logo, as empresas estrangeiras com estabelecimento permanente no Brasil podem ser tributadas, cumulativamente, pelos países signatários da Convenção. 5 – Nos autos não há elementos suficientes que comprovem efetivamente que o autor exerça atividades em nome da sociedade residente na França e tampouco que seja uma filial, embora pertençam ao mesmo grupo empresarial. Ademais, para a jurisprudência, não basta, para a caracterização de “Estabelecimento Permanente” que uma empresa seja controladora de pessoa jurídica com domicílio no outro Estado. 6 – Sob outro aspecto, se os valores remetidos por uma empresa situada no país à empresa estrangeira não se enquadrarem em alguma categoria específica referida pela Convenção, serão tributáveis no Brasil. Já quanto aos rendimentos que são expressamente mencionados nas convenções, em tese somente na categoria “lucro” poder-se-ia enquadrar o valor pago pela empresa brasileira às estrangeiras, em virtude da prestação de serviços no exterior. Caso se admita a retenção antecipada do imposto na fonte pagadora, restaria inviabilizada eventual restituição que se fizer necessária. 7 – Lucro, conforme delineado pela legislação brasileira, abrange os subconceitos de lucro operacional e lucro real (Decreto-Lei nº. 1.598/1977, artigos 6º e 11), compondo-se da diferença entre a receita bruta operacional, obtida pela impetrante com a prestação dos serviços e os custos incorridos para sua realização. 8 – Os rendimentos obtidos pela empresa estrangeira com a prestação de serviços à contratante nacional, examinados à luz da legislação brasileira, integram o lucro daquela situada no exterior, respeitada, para tal conclusão, a sistemática específica de apuração do lucro tributável, com sua previsão de adições e exclusões, que não desnatura como rendimento (porque receita operacional) componente do lucro aquele valor recebido em pagamento. Nesse contexto, a remessa de rendimentos para o exterior para fins de pagamento por serviços prestados por empresa estrangeira constitui despesa para a empresa remetente e não rendimento. 9 – Está certo que rendimento operacional auferido pela prestação do serviço não é lucro, todavia, é parcela componente deste, integrando o lucro do exercício. Quando a convenção internacional refere-se a lucro, abrange toda a receita ou rendimento que o integra conceitualmente. Assim, a receita operacional, de que é parte o valor recebido em pagamento da prestação de serviços, integra o lucro. Diante disso, não há como dizer que não deva ser considerada no art. 7º da Convenção Brasil-França. 10 – A prevalência dos tratados internacionais tributários decorre não do fato de serem normas internacionais, e muito menos de qualquer relação hierárquica, mas de serem especiais em relação às normas internas. No caso, o art. VII da Convenção Brasil – França deve prevalecer sobre a regra inserta no art. 7º da Lei nº 9.779/1999, já que a norma internacional é especial e deve ser aplicada. 11 – Recurso de apelação provido. (TRF 3ª Região, TERCEIRA TURMA, AC – APELAÇÃO CÍVEL – 1740581 – 0002035-92.2010.4.03.6100, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO, julgado em 01/12/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:12/12/2016) DIREITO INTERNACIONAL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO INOMINADO. ARTIGO 557 CPC. MANDADO DE SEGURANÇA. IRPF. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE SOBRE VALORES REMETIDOS A EMPRESA SEDIADA NO CHILE. TRATADOS INTERNACIONAIS. DIREITO INTERNO. ANTINOMIA NORMATIVA. TRIBUTAÇÃO EXCLUSIVA NO PAÍS DE DESTINO. RECURSO DESPROVIDO. 1. O artigo 557 do Código de Processo Civil é aplicável quando existente jurisprudência dominante acerca da matéria discutida e, assim igualmente, quando se revele manifestamente procedente ou improcedente, prejudicado ou inadmissível o recurso, tendo havido, na espécie dos autos, o específico enquadramento do caso no permissivo legal, conforme expressamente constou da respectiva fundamentação. 2. No caso, discute-se a inexigibilidade de imposto de renda sobre remessas ao exterior de pagamentos a empresa sediada no Chile (Sodexo Inversiones S.A.), em decorrência de contrato de prestação de serviços de apoio e aconselhamento (suporte administrativo), dentre os quais: orientação e auxílio relativo às atividades financeiras; tesouraria; recrutamento; controle interno; elaboração de relatórios gerenciais; análise concorrencial e visão de mercado; contratação de apólices de seguro e gestão de risco, entre outros, à empresa sediada no Brasil (Sodexo do Brasil Comercial Ltda). 3. A controvérsia envolve a pretensão do contribuinte de não tributar na fonte rendimentos destinados ao exterior, conforme tratados internacionais, o que é contestado pelo Fisco, que invoca a legislação interna. 4. Coloca-se a exame, portanto, a questão da validade e da eficácia de tratados internacionais em relação ao direito interno, quando presente antinomia normativa. 5. A propósito da hierarquia normativa, decidiu a Suprema Corte que tratados internacionais, regularmente incorporados ao direito nacional, não têm superioridade hierárquica sobre a legislação interna, assim a definição da norma a prevalecer, em caso de antinomia, sujeita-se à verificação da efetiva revogação, ou não, da anterior pela posterior. 6. O Tratado Brasil–Chile firmado para evitar a dupla tributação e a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento, foi aprovado pelo Decreto Legislativo nº 331/03 e promulgado pelo Decreto Executivo nº 4.852/03, e outros acordos internacionais destinados a evitar a dupla tributação, em matéria de imposto de renda e capital, firmados pelo Brasil , preveem, no artigo 7º (5º, no celebrado com o Japão), essencialmente o seguinte: “Os lucros de uma empresa de um Estado Contratante só são tributáveis nesse Estado, a não ser que a empresa exerça sua atividade no outro Estado Contratante por meio de um estabelecimento permanente aí situado. Se a empresa exercer sua atividade na forma indicada, seus lucros serão tributáveis no outro Estado, mas unicamente na medida em que forem atribuíveis a esse estabelecimento estável. Quando uma empresa de um Estado Contratante exercer sua atividade no outro Estado Contratante através de um estabelecimento permanente aí situado, serão atribuídos em cada Estado Contratante, a esse estabelecimento permanente os lucros que obteria se constituísse uma empresa distinta e separada exercendo atividades idênticas ou similares, em condições idênticas ou similares, e transacionando com absoluta independência com a empresa de que é um estabelecimento permanente. No cálculo dos lucros de um estabelecimento permanente, é permitido deduzir as despesas que tiverem sido feitas para a consecução dos objetivos do estabelecimento permanente, incluindo as despesas de direção e os encargos gerais de administração assim realizados. Nenhum lucro será atribuído a um estabelecimento permanente pelo simples fato de comprar bens ou mercadorias para a empresa. Quando os lucros compreenderem elementos de rendimentos tratados separadamente nos outros artigos do presente acordo, as disposições desses artigos não serão afetadas pelo presente artigo.” 7. Não houve revogação dos tratados internacionais pelo artigo 7º da Lei 9.779/1999, pois o tratamento tributário genérico, dado pela lei nacional, às remessas a prestadores de serviços domiciliados no exterior, qualquer que seja o país em questão, não exclui o específico, contemplado em lei convencional, por acordos bilaterais. Embora a lei posterior possa revogar a anterior (“lex posterior derogat priori”), o princípio da especialidade (“lex specialis derogat generalis”) faz prevalecer a lei especial sobre a geral, ainda que esta seja posterior, como ocorreu com a Lei 9.779/1999. 8. Os acordos internacionais valem entre os respectivos subscritores e, assim, têm caráter de lei específica, que não é revogada por lei geral posterior, daí porque a solução do caso concreto encontra-se, efetivamente, em estabelecer e compreender o exato sentido, conteúdo e alcance da legislação convencional, a que se referiu a inicial. Esta interpretação privilegia, portanto, o entendimento de que, embora não haja hierarquia entre tratado e lei interna, não se pode revogar lei específica anterior com lei geral posterior. Ademais, estando circunscritos os efeitos de tratados às respectivas partes contratantes, possível e viável o convívio normativo da lei convencional com a lei geral, esta para todos os que não estejam atingidos pelos tratados, firmados com o objetivo de evitar a dupla tributação. Se isto fere a isonomia, a eventual inconstitucionalidade deve ser discutida por parte de quem foi afetado pela lei nova que, ao permitir a retenção pela fonte no Brasil, abriu caminho para a dupla oneração do prestador de serviço com domicílio no exterior. 9. Todos os tratados referem-se a “lucros”, porém resta claro, a partir dos textos respectivos, que a expressão remete, tecnicamente, ao conceito que, na legislação interna, equivale a rendimento ou receita, tanto assim que as normas convencionais estipulam que “No cálculo dos lucros de um estabelecimento permanente, é permitido deduzir as despesas que tiverem sido feitas para a consecução dos objetivos do estabelecimento permanente, incluindo as despesas de direção e os encargos gerais de administração assim realizados”. 10. Despesas e encargos são deduzidos da receita ou rendimento a fim de permitir a apuração do lucro, logo o que os tratados excluíram da tributação, no Estado pagador, que contratou a prestação de serviços no exterior, não é tão-somente o lucro, até porque o respectivo valor não poderia ser avaliado por quem simplesmente faz a remessa do pagamento global. O que os tratados excluíram da tributação no Brasil , para evitar a dupla incidência, foi o rendimento auferido com a prestação do serviço para que, no Estado de prestação, ou seja, no exterior, seja promovida a sua tributação, garantida ali, conforme a legislação respectiva, a dedução de despesas e encargos. 11. Não existe espaço para invocar a aplicação dos artigos 21, 22 ou 23, conforme cada um dos tratados examinados, em prejuízo ao que dispõem os artigos 5º ou 7º, para assim estabelecer a aplicação da lei interna, que prevê tributação, pela fonte pagadora no Brasil, de pagamentos, com remessa de valores às prestadoras de serviços, exclusivamente domiciliadas no exterior. 12. Agravo inominado desprovido.” (TRF 3ª Região, TERCEIRA TURMA, AMS 0010695-41.2011.4.03.6100, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS MUTA, julgado em 27/11/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA:02/12/2014) “DIREITO TRIBUTÁRIO. TRATADOS INTERNACIONAIS. AGRAVO RETIDO. ATO COATOR. IMPOSTO DE RENDA RETIDO NA FONTE. ARTIGO 7º, LEI 9.779/99. SERVIÇOS PRESTADOS NO EXTERIOR. EMPRESA ESTRANGEIRA. CONTRATANTE BRASILEIRA. REMESSA AO EXTERIOR. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. TRIBUTAÇÃO EXCLUSIVA NO PAÍS DE DESTINO. 1. Caso em que embora reiterado do agravo retido, não cabe dele conhecer, uma vez que a matéria nele versada foi devolvida pela própria apelação, recurso de maior extensão. 2. De outro tanto, é manifesta a improcedência da alegação de ausência de ato coator, na medida em que o mandado de segurança tem caráter preventivo, em face da resistência da autoridade coatora em reter o imposto de renda na fonte. 3. Consolidada a jurisprudência da Suprema Corte no sentido de que tratados internacionais, regularmente incorporados ao direito nacional, não têm superioridade hierárquica sobre o direito interno, assim a definição da norma a prevalecer, em caso de antinomia, sujeita-se à verificação da efetiva revogação, ou não, da anterior pela posterior. 4. Caso em que se postula a aplicação de acordo internacional, destinado a evitar a dupla tributação, em matéria de imposto de renda e capital, firmado pelo Brasil com a França (Decreto 70.506/72). 5. O tratado internacional dispõe, basicamente, que “Os lucros de uma empresa de um Estado Contratante só são tributáveis nesse Estado, a não ser que a empresa exerça sua atividade no outro Estado Contratante por meio de um estabelecimento permanente aí situado. Se a empresa exercer sua atividade na forma indicada, seus lucros serão tributáveis no outro Estado, mas unicamente na medida em que forem atribuíveis a esse estabelecimento permanente. Quando uma empresa de um Estado Contratante exercer sua atividade no outro Estado Contratante através de um estabelecimento permanente aí situado, serão atribuídos em cada Estado Contratante, a esse estabelecimento permanente os lucros que obteria se constituísse uma empresa distinta e separada exercendo atividades idênticas ou similares, em condições idênticas ou similares, e transacionando com absoluta independência com a empresa de que é um estabelecimento permanente. No cálculo dos lucros de um estabelecimento permanente, é permitido deduzir as despesas que tiverem sido feitas para a consecução dos objetivos do estabelecimento permanente, incluindo as despesas de direção e os encargos gerais de administração assim realizados. Nenhum lucro será atribuído a um estabelecimento permanente pelo simples fato de comprar bens ou mercadorias para a empresa. Quando os lucros compreenderem elementos de rendimentos tratados separadamente nos outros artigos do presente acordo, as disposições desses artigos não serão afetadas pelo presente artigo.” 6. Para defender a incidência do imposto de renda, em casos que tais, a União invocou o Ato Declaratório Normativo COSIT 01/2000, e o artigo 7º da Lei 9.779/1999. Dispõe o primeiro, no que ora releva: “I – As remessas decorrentes de contratos de prestação de assistência técnica e de serviços técnicos sem transferência de tecnologia sujeitam-se à tributação de acordo com o artigo 685, II, alínea ‘a’, do Decreto nº 3.000/99; II – Nas Convenções para Eliminar a Dupla Tributação da Renda das quais o Brasil é signatário, esses rendimentos classificam-se no artigo Rendimentos não Expressamente Mencionados, e, conseqüentemente, são tributados na forma do item I, o que se dará também na hipótese de a convenção não contemplar esse artigo”. 7. Todavia, ato normativo da Administração não cria hipótese de incidência fiscal e, além disso, a situação nele disciplinada refere-se apenas à serviços técnicos, não equivalentes aos que são discutidos na presente ação. Já o artigo 7º da Lei 9.779/1999 estabelece que “os rendimentos do trabalho, com ou sem vínculo empregatício, e os da prestação de serviços, pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos a residentes ou domiciliados no exterior, sujeitam-se à incidência do imposto de renda na fonte à alíquota de vinte e cinco por cento”. 8. Não houve revogação do tratado internacional pelo artigo 7º da Lei 9.779/1999, pois o tratamento tributário genérico, dado pela lei nacional, às remessas a prestadores de serviços domiciliados no exterior, qualquer que seja o país em questão, não exclui o específico, contemplado em lei convencional, por acordos bilaterais. Embora a lei posterior possa revogar a anterior (“lex posterior derogat priori'”, o princípio da especialidade (“lex specialis derogat generalis”) faz prevalecer a lei especial sobre a geral, ainda que esta seja posterior, como ocorreu com a Lei 9.779/1999. 9. Acordos internacionais valem entre os respectivos subscritores e, assim, tem caráter de lei específica, que não é revogada por lei geral posterior, daí porque a solução do caso concreto encontra-se, efetivamente, em estabelecer e compreender o exato sentido, conteúdo e alcance da legislação convencional, a que se referiu a inicial. Esta interpretação privilegia, portanto, o entendimento de que, embora não haja hierarquia entre tratado e lei interna, não se pode revogar lei específica anterior com lei geral posterior. Ademais, estando circunscritos os efeitos de tratados às respectivas partes contratantes, possível e viável o convívio normativo da lei convencional com a lei geral, esta para todos os que não estejam atingidos pelos tratados, firmados com o objetivo de evitar a dupla tributação. Se isto fere a isonomia, a eventual inconstitucionalidade deve ser discutida por parte de quem foi afetado pela lei nova que, ao permitir a retenção pela fonte no Brasil, abriu caminho para a dupla oneração do prestador de serviço com domicílio no exterior. 10. O tratado refere-se a “lucros”, porém resta claro, a partir dos textos respectivos, que a expressão remete, tecnicamente, ao conceito que, na legislação interna, equivale a rendimento ou receita, tanto assim que a norma convencional estipula que “No cálculo dos lucros de um estabelecimento permanente, é permitido deduzir as despesas que tiverem sido feitas para a consecução dos objetivos do estabelecimento permanente, incluindo as despesas de direção e os encargos gerais de administração assim realizados”. 11. Despesas e encargos são deduzidos da receita ou rendimento a fim de permitir a apuração do lucro, logo o que o tratado excluiu da tributação, no Estado pagador, que contratou a prestação de serviços no exterior, não é tão-somente o lucro, até porque o respectivo valor não poderia ser avaliado por quem simplesmente faz a remessa do pagamento global. O que excluiu o tratado da tributação no Brasil, para evitar a dupla incidência, foi o rendimento auferido com a prestação do serviço para que, no Estado de prestação, ou seja, no exterior, seja promovida a sua tributação, garantida ali, conforme a lei respectiva, a dedução de despesas e encargos, revelando, portanto, que não existe espaço válido para a prevalência da aplicação da lei interna, que prevê tributação, pela fonte pagadora no Brasil, de pagamentos, com remessa de valores a prestadoras de serviços, exclusivamente domiciliadas no exterior. 12. Agravo retido não conhecido, e apelação e remessa oficial desprovidas.” (TRF 3ª Região, TERCEIRA TURMA, AMS 0006803-34.2011.4.03.6130, Rel. JUIZ CONVOCADO ROBERTO JEUKEN, julgado em 16/05/2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA:24/05/2013) As normas prescritas em acordos internacionais para evitar a dupla tributação prevalecem, no que concerne aos Estados contratantes, uma vez que é regra específica (critério da especialidade), diferente da lei ordinária que regula a matéria de maneira geral (art. 98, do CTN). Demonstrada a existência de contrato firmado com pessoa jurídica situada no exterior relativo à prestação de serviço, não se pode compelir o contribuinte à dupla tributação, devendo haver incidência do imposto sobre a renda somente no país de destino. Desse modo, é possível concluir-se, que os valores remetidos ao exterior pela impetrante às empresas situadas no exterior, em razão de prestação de serviços sem transferência de tecnologia, devem ser transferidos sem a incidência na fonte do imposto de renda, à exceção daquelas sediadas na Alemanha, como bem ressalvado pelo M.M. Juízo a quo, em razão da inexistência atual de acordo celebrado com aquele país visando ao afastamento da bitributação. Ante o exposto, rejeito a preliminar, e, no mérito, nego provimento à apelação e à remessa oficial. É como voto. ANTONIO CEDENHO Desembargador Federal 


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